Este ano o Código de Defesa do Consumidor (CDC) completa 30 anos. Foi uma longa jornada para chegarmos nesse momento, onde podemos dizer que o consumidor conquistou direitos eficazes e a sociedade internalizou-os – mas é preciso pensar no futuro.
O CDC (promulgado em 1990) endereça vários dos problemas atuais. Enganam-se aqueles que pensam que a proteção de dados no Brasil teve início com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD): o CDC já trouxe importantes normas para proteger os dados dos consumidores, que serão apenas ampliadas com a nova lei. O direito de arrependimento – tão difundido atualmente para as compras online – foi criado quando a internet sequer era acessível no Brasil. O dever de informação e a norma sobre o vício oculto (aquele que não é aparente ou pode demorar a ser percebido) resguarda os consumidores frente aos novos produtos tecnológicos. E esses são apenas alguns exemplos.
As relações de consumo são complexas e dinâmicas. Justamente por isso, o CDC foi pensado como uma lei de normas abertas, flexíveis, que permitem maior poder interpretativo por parte dos julgadores – que amoldam as normas ao contexto em análise, sempre tendo como finalidade a proteção do consumidor (dito como a parte vulnerável da relação). Mas será que podemos confiar apenas na interpretação para a solução dos problemas que surgirão nos próximos 30 anos?
Atualmente, os consumidores não querem apenas comprar; eles querem uma verdadeira experiência de consumo. Nós nos engajamos, nos relacionamos e compramos coisas por causa da experiências que elas fornecem. Nos anos 1980, a ascensão de grandes estilistas de moda demonstra que o desejo era o de “parecer”, de se destacar por meio da imagem pessoal. Hoje, a valorização e notoriedade dos chefs de cozinha denota a intenção do consumidor de vivenciar uma experiência positiva, que vai muito além do produto em si.
O consumidor é informado e consciente, e quer se identificar com os valores da marca. Cada vez mais os consumidores querem saber a origem dos produtos que consomem. Querem saber a procedência, os insumos/ingredientes, o tipo de trabalho que foi empregado na sua manufatura, os valores da empresa, a sua responsabilidade social e ecológica. O preço ainda é um fator relevante, mas não o principal – em especial diante das inúmeras possibilidades e da vastidão de oferta existente no mercado.
O consumidor é digitalizado e empoderado. As redes sociais tornaram-se uma potente ferramenta de avaliação e reputação dos fornecedores. Há estudos que demonstram que 93% das opções de compra são influenciadas pelas mídias sociais e, certamente, pelos outros consumidores. A opinião do consumidor é ouvida e importa – ele tem um novo “poder” a seu favor.
O consumidor quer se conectar com os seus fornecedores. Em um mundo digital, o que importa cada vez mais são as pessoas. O que leva os influenciadores digitais a terem tantos seguidores? A curiosidade humana sobre o outro e sua vida. Nas relações de consumo não é diferente: é preciso centrar no humano.
O mundo atual é globalizado e enfrenta novos desafios, como a mudança climática, o individualismo, a corrupção, a discriminação em relação ao “novo” (seja em termos de identificação de gênero, opção sexual, formação de família etc.) e as aceleradas transformações nas mais diversas áreas. O mundo hoje é VUCA: volátil, incerto, complexo e ambíguo (Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity). Os fornecedores precisaram se adaptar a essa nova realidade.
O mundo não é linear; é sistêmico. Estamos conectados em rede, integrados. O “consumismo” foi ressignificado para aquilo que traz felicidade; para aquilo que tem significado. Não é mais sobre quantificar, mas sobre qualificar. É preciso constantemente questionar: o que importa para o consumidor?
Diante dessa nova realidade, será que o CDC será suficiente?
Repito: as relações de consumo são complexas e dinâmicas. Precisamos superar a visão adversarial nas relações de consumo. Ela desempenhou o seu (relevante) papel – na sociedade de 1990. Hoje, o consumidor evoluiu, as relações se transformaram e o fiel da balança precisa ser reajustado à nova realidade.
É preciso construir uma nova interpretação jurídica (em sentido amplo) para a nova realidade das relações de consumo. Talvez a mera interpretação do CDC pelos operadores do direito não seja suficiente. Talvez seja preciso repensar o enquadramento jurídico da relação – hoje não mais tão desequilibrada quanto em 1990 – e atualizar o CDC para o que está por vir. O passado é importante para construir o futuro, mas não pode ser a âncora que impede a evolução.