Recentemente, o Superior Tribunal Federal (STJ) decidiu que é possível a penhora de quotas sociais de sócio por dívida particular por ele contraída, ainda que de sociedade empresária em recuperação judicial (REsp 1.803.250-SP, julgado em 23/06/2020). Em tempos de crise econômica causada pela pandemia de COVID-19, é importante ficar atento às medidas que podem ser adotadas em face dos devedores.
Mas a decisão não foi unânime. Muito embora o Ministro Relator (Marco Aurélio Bellizze) tenha se posicionado contra, o entendimento que prevaleceu no julgamento é o de que a penhora é possível (solução dita “mais social”), por ausência de expressa vedação legal:
Para um Juiz de Vara, melhor a conclusão adotada pelo Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, vedando a penhora da quota do sócio da empresa que está em recuperação judicial.
Mas, a solução do Ministro VILLAS BÔAS CUEVA é muito mais social, quer pela dicção do art. 789 do NCPC (art. 391 do CC/02), quer porque a penhora não prejudicará a recuperação, e também porque só na liquidação se saberá qual o destino judicial da quota penhorada.
Trecho do voto-vista (Ministro Moura Ribeiro)
O Código de Processo Civil (CPC) e o Código Civil (CC) determinam que o devedor responde por suas dívidas com todos os seus bens (salvo exceções, como é o caso do bem de família), de forma que, a princípio, não haveria impedimento de que se atinja as quotas que detiver em sociedade simples ou empresária. A situação não muda se a sociedade estiver em recuperação judicial: a penhora (e as consequências daí decorrentes) pode ser efetivada, embora a liquidação da quota possa ser obstada.
Por sua vez, a Lei n. 11.101/2005 (Lei de Falências) indica apenas que os sócios não poderão exercer seu direito de retirada caso haja decretação da quebra, uma vez que a liquidação da participação societária somente poderia ser efetivada se e quando todos os credores da massa tiverem seus créditos integralmente quitados. Contudo, tal ressalva não foi feita para casos de recuperação judicial.
Procedimento
De início, é importante registrar que é necessário que não haja outros bens passíveis de penhora – cuja constrição seria menos gravosa ao executado – para que se permita a constrição sobre as quotas.
Se a penhora for determinada, a quota será oferecida aos demais sócios da empresa – como forma de evitar que um terceiro ingresse no quadro social. Contudo, se não houver interesse dos demais sócios, a alternativa seria a própria sociedade adquiri-las – o que não é possível quando a sociedade está em recuperação judicial por falta de reservas disponíveis. Apenas com autorização judicial poderia a empresa alienar ativos para adquirir as quotas, o que é um cenário bastante improvável.
Contudo, o CPC prevê outra opção: se a liquidação das quotas superar o valor do saldo de lucros ou reservas, ou colocar em risco a estabilidade financeira da sociedade – ou seja, situações inerentes ao contexto de uma recuperação judicial – o prazo pode ser ampliado pelo juiz. Inclusive, a depender do progresso da recuperação judicial, o prazo pode ser estendido para aguardar o seu encerramento.
Caso necessário, os juízes da execução e da recuperação judicial podem atuar em cooperação jurisdicional, para atender aos interesses do credor e da sociedade, em uma ponderação dos direitos envolvidos. Por fim, caso não haja interesse dos demais sócios e a liquidação pela própria sociedade seja excessivamente onerosa, o juiz poderá determinar o leilão judicial das quotas.
Divergência
A principal crítica a tal medida é que ela impõe a terceiros (no caso, aos demais sócios da empresa) a aceitação de pessoa estranha ao quadro social como consequência da decisão judicial, em evidente prejuízo à affectio societatis. É importante lembrar também que a empresa é alheia à relação existente entre o sócio devedor e o seu respectivo credor – mas, ainda assim, poderá sofrer diretamente os impactos da constrição judicial sobre a participação societária.
Ainda, o credor do sócio não se submete aos efeitos de recuperação judicial – não se trata de um débito assumido (diretamente) pela empresa. Assim, seria inadequado conferir-lhe privilégios em detrimento dos credores concursais ou extraconcursais, já que não se trata de débito social, gerando tratamento injusto entre os credores. Outro ponto de divergência: somente com a concordância geral dos credores arrolados no plano seria possível a oneração de bem ou direito afeto à empresa em recuperação judicial.
Por fim, tampouco haveria vantagem ao credor, visto que a penhora das quotas acarretará não apenas direitos, mas também obrigações.
De todo modo, a posição foi tomada pelo STJ, em decisão que, embora controversa, não pode ser considerada pouco debatida ou fundamentada. E, dado o seu papel pacificador da jurisprudência, cabe aos demais tribunais seguir o entendimento – em especial em tempos de crise econômica.