Amanda Cascaes

Amanda Cascaes

PROTEÇÃO DOS ANIMAIS NO BRASIL: UMA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA URGENTE

Recentemente, um caso de violência contra um animal chocou os protetores de animais e os simpatizantes da causa. Um cachorro chamado Sansão foi amordaçado com arame farpado e teve suas patas traseiras cortadas por um suposto vizinho que estava insatisfeito com o fato de que Sansão, por vezes, saía do terreno de seu tutor e acabava invadindo o terreno vizinho. Mesmo aqueles que não se consideram protetores dos animais, em sua maioria, não puderam deixar o fato passar desapercebido – tamanha a crueldade e violência envolvidas.

O grande problema é a impunidade. Mas no caso dos animais, é ainda mais grave: não se trata de falha na aplicação das leis; trata-se de falta de leis severas que responsabilizem os agressores. Diante da certeza da impunidade ou das consequências irrisórias, não há nada que os impeça de iniciar ou reincidir nas condutas violentas contra os animais.

Atualmente, a Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/1998) prevê pena de detenção, de três meses a um ano, e multa para quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. A pena pode ser aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. Obviamente, a lei não vem sendo suficiente para coibir condutas violentas, tal qual ocorreu com Sansão.

Ao contrário do Brasil, que está atrasado na defesa dos animais, outros países já reciclaram a sua legislação. Em Portugal, a Lei n. 8/2017, que entrou em vigor em 01/05/2017, trata os animais como seres vivos com sensibilidade, e não mais como “coisas” (no sentido jurídico). Ressalvadas as críticas à lei (que não são poucas, especialmente por ter convenientemente deixado de fora a proteção a determinado animais, possivelmente por pressão da bancada pecuarista), o texto prevê que:

  • O direito de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte.
  • No caso de lesão ao animal, o responsável é obrigado a indenizar o proprietário ou os indivíduos ou entidades que tenham procedido ao seu socorro, pelas despesas em que tenham incorrido para o seu tratamento, sem prejuízo de indenização devida nos termos gerais.
  • No caso de lesão de animal de companhia que tenha ocasionado morte, privação de importante órgão ou membro ou afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o proprietário tem direito a uma indenização adequada pelo desgosto ou sofrimento moral em que tenha incorrido, em montante a ser fixado equitativamente pelo tribunal.
  • Aquele que “destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.

No Brasil, há diversos projetos de lei tramitando em relação ao tema, que propõem o aumento das penas, a alteração da categoria jurídica dos animais (tal qual ocorreu em Portugal) ou ainda a proibição de abatimento de animais saudáveis em centros de controle de zoonoses. Em nota, o Senado Federal garantiu que está dando prioridade ao tema:

“Garantir a proteção dos animais foi um dos assuntos que mobilizou o Senado em 2019. Dois projetos de defesa dos animais foram aprovados e enviados para análise dos deputados. O PLC 27/2018 que determina que os animais não poderão mais ser considerados objetos, e o PLC 17/2017 que proíbe a eliminação de cães, gatos e aves saudáveis pelos órgãos de controle de zoonoses.

Em 2020 essa mobilização deve continuar. O Senado vai analisar o Projeto de Lei 1.095/2019 que aumenta a pena para maus-tratos de cães e gatos. O texto foi aprovado pela Câmara na última semana de trabalho do Congresso”.

Fonte: Agência Senado

Cabe-nos aguardar ansiosa e esperançosamente a conversão de tais projetos em lei. E resta ainda saber se o recente evento trágico será um impulsor da tão esperada mudança, ainda que às custas do sofrimento de Sansão (eu ousaria dizer que é melhor tarde do que nunca).

Certamente há aqueles que não foram impactados pelo ocorrido ou que pensam que a punição do agressor de Sansão não faz diferença e que o Direito deveria se preocupar com casos “mais importantes”. Isso, por si só, já é um posicionamento temível ou ignorante, considerando que já foi provada a existência de correlação e como os casos de violência animal tendem a evoluir para violência contra pessoas. Não há mais espaço em nossa sociedade para pensamentos retrógrados e pequenos.

É inaceitável que o legislador “chancele” certas condutas, considerando o patamar evolutivo da sociedade atual, principalmente do ponto de vista jurídico. A nível pessoal e comunitário, precisamos urgentemente estabelecer um novo modo de nos relacionarmos com outras formas de vida. A nível jurídico, o Brasil precisa se posicionar em relação à proteção dos animais.