A Resolução 360/2003 (que aprova o Regulamento Técnico sobre Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados), emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), permite a tolerância de até 20% (vinte por cento), para mais ou para menos, nos valores constantes da informação nutricional declarada no rótulo de alimentos.
Mas será que os consumidores sabem disso? Em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) após apurar irregularidades na rotulagem de produtos light e diet, discutiu-se justamente se o consumidor deve ou não ser informado sobre tal tolerância. O MPF defendeu que é direito do consumidor saber quais substâncias estão sendo ingeridas e em qual quantidade.
Surpreendentemente, a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) foi no sentido de que tal variação não consiste em informação relevante ou essencial, a justificar a inserção da advertência nos rótulos:
Não há justificativa para determinar a advertência, nos produtos alimentícios, da variação de 20% (vinte por cento) das informações nutricionais dos rótulos de alimentos, quer por não trazer qualquer prejuízo ao consumidor, quer pela possibilidade de criar dúvida maior do que eventual esclarecimento.
Acórdão proferido pelo TRF3 (processo n. 0012439-47.2006.4.03.6100)
Ou seja: no entender do tribunal, o excesso de informação causaria desinformação, ao invés de beneficiar os consumidores. O posicionamento do TRF3 causa estranheza, na medida em que o dever-direito de informação é um dos princípios fundamentais do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que não aceita o silêncio em relação às informações relevantes ou características dos produtos.
A decisão do STJ
No julgamento do Recurso Especial 1.537.571/SP, o STJ decidiu que o consumidor tem, sim, o direito de ser informado sobre a tolerância de 20% nos valores nutricionais, e determinou que a ANVISA passe a exigir, na rotulagem dos produtos alimentícios, a indicação da possibilidade de variação de 20%. Embora tenha sido julgado em 27/09/2016, o acórdão foi publicado apenas em 20/08/2020 – o que é, no mínimo, curioso.
Segundo o STJ, o CDC prevê a informação como direito básico do consumidor, e não tolera omissões em desfavor dos consumidores. Aliás, omissões sobre informações relevantes e/ou essenciais por parte dos fornecedores configuram publicidade enganosa, punida civil, administrativa e criminalmente pelo CDC.
O direito à informação não se confunde com uma necessidade de advertência – como ocorre, por exemplo, em casos que envolvem onerosidade excessiva ou que podem dar origem a um acidente de consumo – como, por exemplo, os avisos sobre um alimento conter glúten, que é essencial para os consumidores que sofrem de doença celíaca. Quem informa nem sempre adverte, ainda que a advertência seja sempre uma informação qualificada. Mas mesmo que a advertência não seja necessária, como ocorre nesse caso da “margem de erro”, isso não significa dizer que a informação é dispensável.
No caso de alimentos, o rótulo do produto é a via mais fácil, barata, ágil e eficaz de transmissão de informações aos consumidores. Além disso, ainda segundo o STJ, os fornecedores estão constantemente alterando o rótulo dos alimentos, para incluir menção a promoções, elementos de marketing, eventos culturais, datas comemorativas etc. Assim, a inclusão da frase “variação de 20% dos valores nutricionais” das matérias-primas utilizadas na fabricação dos alimentos não seria passível de causar onerosidade excessiva aos fabricantes.
Opinião
O meu entendimento é que o consumidor tem o direito (assegurado pelo CDC) de receber a informação e decidir, por si só, se essa informação afeta ou não a sua decisão de consumo. Pode ser que determinados consumidores realmente não vejam relevância em receber tal informação, mas ela pode ser considerada essencial por outros consumidores – que preferem, por qualquer motivo ou necessidade pessoal, escolher os alimentos que consomem com base na informação nutricional e, nesses casos, uma variação de 20% pode ser significativa e/ou decisiva.
O acesso à informação pelo consumidor é fundamental para que ele possa exercer a sua autonomia. Considerando a nossa sociedade atual, em que o fluxo de informações a que estamos expostos é constante e muito rápido, não há mais espaço para subestimar dessa forma o poder de compreensão do consumidor. Pode ser que, em determinadas situações, o excesso de informação realmente resulte em desinformação, mas não me parece que esse seja o caso.
Como bem apontou o STJ, o CDC não impôs o dever de informar apenas em relação aos dados que impliquem onerosidade excessiva ou que sejam necessários à prevenção de acidentes de consumo – essas situações apenas reforçam o dever de informar, mas não o definem. Não é porque a informação não traz prejuízo ao consumidor que ela pode ser omitida pelos fornecedores – abrir esse precedente pode ser muito perigoso.
E você, preferia não receber essa informação?